Vem com a mãe e senta-se do outro
lado, no metro. Tem oito, nove, dez anos talvez. Não sei precisar. Tira da
mochila o livro de aventuras e ocupa-se a ler. Ávido, uma página, outra e
outra. Por detrás dos óculos de massa azul de fundo de garrafa. Entretanto,
pousa a história nas pernas, e com ar de caso, pergunta: “Porque é que o pai é
Víctor com cê e o menino da história é Vítor sem cê?” A mãe diz-lhe que há
palavras que hoje se escrevem de forma diferente e que há letras que já não
fazem falta. Mas o rapaz não fica satisfeito com a resposta e insiste nos
porquês. Passados dois ou três, a mãe remata impaciente: “Ó filho, não sei. A
culpa é dos senhores do Governo. Eles é que decidiram assim.” Os senhores do
Governo são de facto os responsáveis pela entrada em vigor do acordo
ortográfico. Mas tanto quanto sei, e sei ainda pouco sobre o assunto, os nomes
próprios não foram afectados. Continua a escrever-se Víctor das duas maneiras.
Seja como for, o acordo -ou desacordo- é daquelas coisas que me fazem
comichão. E já vão alguns anos. Não me considero casca grossa. Sou a favor da
evolução da Língua mas a ligeireza da coisa irrita-me. Isto de se deixar cair
consoantes mudas, hífenes e maiúsculas é uma batalha transversal. Atenta contra
a minha geração, as que se seguem e, sobretudo as que estão para trás. É, no
mínimo, uma falta de respeito por todos os docentes do ensino primário e
preparatório. De nada serviu o esforço das minhas professoras Alzira e Deodata
a lembrar-me o pê do óptimo, o tracinho da infra-estrutura ou a maiúscula da
Primavera. Tanto trabalho e dedicação para depois nos virem dizer (e escrever)
que não é correcto. E sem cê.
Chamem-me cota, mas eu sou do tempo em que fato era apenas o conjunto de
calças e casaco e não um acontecimento. Chamem-me insolente mas, enquanto
puder, vou resistir à conversão ortográfica.
Apesar deste cometário não ser da minha
autoria, sou dos que sente esta situação na pele de forma bastante forte. Tenho
duas filhas na escola e quando tenho que corrigir algum trabalho delas, fico
sem saber se existe o erro ou se é resultado do novo acordo ortográfico.
Copiado do jornal diário Destak de 2 de
Julho de 2012, coluna Crónica do Metropolitano de Graça Andrade.
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