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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Desacordo ortográfico


   Vem com a mãe e senta-se do outro lado, no metro. Tem oito, nove, dez anos talvez. Não sei precisar. Tira da mochila o livro de aventuras e ocupa-se a ler. Ávido, uma página, outra e outra. Por detrás dos óculos de massa azul de fundo de garrafa. Entretanto, pousa a história nas pernas, e com ar de caso, pergunta: “Porque é que o pai é Víctor com cê e o menino da história é Vítor sem cê?” A mãe diz-lhe que há palavras que hoje se escrevem de forma diferente e que há letras que já não fazem falta. Mas o rapaz não fica satisfeito com a resposta e insiste nos porquês. Passados dois ou três, a mãe remata impaciente: “Ó filho, não sei. A culpa é dos senhores do Governo. Eles é que decidiram assim.” Os senhores do Governo são de facto os responsáveis pela entrada em vigor do acordo ortográfico. Mas tanto quanto sei, e sei ainda pouco sobre o assunto, os nomes próprios não foram afectados. Continua a escrever-se Víctor das duas maneiras.
   Seja como for, o acordo -ou desacordo- é daquelas coisas que me fazem comichão. E já vão alguns anos. Não me considero casca grossa. Sou a favor da evolução da Língua mas a ligeireza da coisa irrita-me. Isto de se deixar cair consoantes mudas, hífenes e maiúsculas é uma batalha transversal. Atenta contra a minha geração, as que se seguem e, sobretudo as que estão para trás. É, no mínimo, uma falta de respeito por todos os docentes do ensino primário e preparatório. De nada serviu o esforço das minhas professoras Alzira e Deodata a lembrar-me o pê do óptimo, o tracinho da infra-estrutura ou a maiúscula da Primavera. Tanto trabalho e dedicação para depois nos virem dizer (e escrever) que não é correcto. E sem cê.
   Chamem-me cota, mas eu sou do tempo em que fato era apenas o conjunto de calças e casaco e não um acontecimento. Chamem-me insolente mas, enquanto puder, vou resistir à conversão ortográfica.

     Apesar deste cometário não ser da minha autoria, sou dos que sente esta situação na pele de forma bastante forte. Tenho duas filhas na escola e quando tenho que corrigir algum trabalho delas, fico sem saber se existe o erro ou se é resultado do novo acordo ortográfico.

     Copiado do jornal diário Destak de 2 de Julho de 2012, coluna Crónica do Metropolitano de Graça Andrade.


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